segunda-feira, 31 de março de 2014

Escrivaninha: "Peter"



"Aqueles olhos castanho-escuros me fitavam todas as noites. Até mesmo em noites de lua cheia. Fitavam-me independente da lua, estação do ano ou vontade própria. Os grandes olhos que uma vez causaram-me pânico, hoje não me assustam mais.
O dono daqueles olhos era a causa do pavor de todos os moradores daquele pequeno vilarejo, nas margens daquela sombria floresta. As árvores tornavam-se mais escuras e intimidantes à medida que a lua cheia se aproximava. Os ruídos vindos dos animais ecoavam como estrondos esmagadores nos ouvidos de quem ouvia. E quando a noite chegava, portas eram trancadas, janelas eram lacradas. E a igreja, o local do solo santo, tornava-se o único local completamente seguro para se ficar.
Famílias inteiras se reuniam no silêncio da noite esperando o som do medo chegar. Enquanto seus animais aguardavam para serem servidos como oferenda, o que predominava eram as orações. Tornar sua casa em um local abençoado era o desejo de cada morador daquele lugar.
O monstro não suportava pisar em solo santo. Sua pele pegaria fogo, queimaria, até que a dor fosse grande e insuportável o suficiente para afugentá-lo. E quando isso acontecesse novamente, eu sentiria essa dor apenas de olhar para aqueles enormes e assustadores olhos castanhos.
Era a última noite antes da mudança de lua. Apesar de não ser aceita mais pelo povo do vilarejo, eu poderia prever cada detalhe do que estava para acontecer. Porcos e galinhas seriam escolhidos. Os maiores e mais bonitos dos animais não seriam abatidos para servir de alimento, mas seriam aprisionados para que na noite seguinte fossem sacrificados pelo monstro que os amedronta.
As missas aconteceriam várias vezes ao dia, e até mesmo o menos devoto da população estaria presente em todas. Pedidos de perdão eram seguidos de milhares de súplicas por proteção. Pedidos facilmente confundidos com tentativas de implorar a Deus que o monstro nunca mais voltasse.
Há quem realmente implore. Há quem gaste dias desejando a morte daquele que acabava com seus animais e com suas tranqüilas noites de sono. A cada lua cheia, mais devotos apareciam.
Crianças, assim como sempre, seriam impedidas de serem crianças. Obrigações de adultos como buscar água e caçar animais seriam dadas a elas. Técnicas básicas de luta seriam ensinadas pelos seus pais. E as unhas seriam cuidadosamente pintadas de prata. Uma unha cravada na grossa pelo do lobo, e ele está morto. Basta apenas uma unha para que Peter esteja morto.
A preocupação me contaminava e se espalhava por todo meu corpo como uma peste. A próxima ida de Peter para o vilarejo para se alimentar de oferendas se aproximava. E com isso, vinham as armadilhas das mais diversas, tentativas de encurralá-lo e empurrá-lo em direção a Igreja, o solo santo que faria o demônio arder em seu próprio fogo.
As reuniões dos comandantes das caças ao lobo começariam em breve. Sempre lideradas por aquele cuja coragem era maior do que a de qualquer outro homem daquele povo. A mistura da culpa pela morte de seu pai e a sede de vingança tornava Henry o líder das caçadas. Planos seriam bolados, as armadilhas seriam montadas, oficiais seriam escondidos em meio às árvores e casas e tudo estaria pronto. Depois disso, só bastaria esperar a noite cair."

Isabela


Hoje inauguramos uma nova sessão no blog, a Escrivaninha! Quem nunca escreveu nada na vida que atire a primeira pedra. E pra começar, um texto nem tão curto nem tão longo que é baseado no filme A Menina da Capa Vermelha. Já adianto que a maioria dos meus rabiscos são repletos de imaginação e situações fictícias e fantasiosas. Raramente escrevo sobre coisas da vida (real) e sobre sentimentos. Na verdade, eu escrevo. Mas prefiro guardar os mimimis pra mim e poupar os outros. Boa leitura!

Beijos e abraços,
Isa

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